terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Porque ter um filho? Porque se transformar em mamãe e papai (no diminutivo fica mais fofo)? Ah, esse amor arrebatador capaz de tudo! Ele é tão grande que precisa extravasar.  Hoje vi uma mãe no ônibus segurando a filha. Ela estava séria, sem muito contentamento, e a criança estava nos braços. Essa cena me rendeu algumas reflexões.

O que motiva alguém a gerar um filho? Cuidar de alguém? Há tanta gente no mundo pra ser cuidada, inclusive a pessoa que quer cuidar, pra quê mais uma? Constituir uma família? Há tantas pessoas no mundo dispostas a isso, pra quê mais uma? Amor incondicional? Se é amor, pode ser doado, sentido por qualquer pessoa. “Não vou amar qualquer um, quero amar o meu filho, que saiu de mim”. Bem, eu chamo isso de troféu, posse, de necessidade de satisfazer seus desejos aprendidos, não de amor.

Alguém pra chamar de meu. Alguém pra embelezar, empetecar, e depositar tudo que há de bom. Alguém pra seguir as suas ordens e andar nos seus limites, mesmo quando você diz libertar. Alguém em quem enfiar todo amor que lhe farta o peito. Alguém pra mostrar pra alguém. Alguém pra ter em quem depositar todos os seus sonhos de um futuro brilhante. Alguém pra satisfazer sua vontade de ter alguém.

Não sou contra o fato, sou contra os motivos. É isso mesmo, sou contra. Normalmente digo isso de forma mais poética. Mas esse amor que tenho visto aí não merece cuidado nas palavras. Durante os minutos que observei aquela mãe no ônibus, um mundo de informações se desconstruiu e reconstruiu em minha frente. Eu, que desde criança tinha certeza que queria ter um filho, engravidar. 

Somos ensinados a crescer com essa certeza, pena que não ensinam o que fazer com ela. Na verdade ensinam. Os manuais estão por aí, em cada olhar que fere em nome do amor. Naquele momento, eu vi que essa certeza fabricada em nós, nada mais é do que a vontade de satisfazer os próprios desejos de forma bem desajustada e irresponsável. Se a intenção fosse apenas doar amor, não haveria tantas crianças e adultos precisando dessa doação.

Já passou da hora de desaprender a palavra e aprender o sentimento, que a cada momento é enclausurado em definições burras, guiadas por pura carência e egoísmo. E cada vez que isso acontece, ficamos mais longe de sentir o amor e mais autorizados por nós a fazer mal em nome dele. Que assim não seja, porque amor não é. 

Com amor,

Natália Possas

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