Cada pedaço de papel pode ser um amontoado de palavras, tradução de sentimentos, verso, prosa, narrativa, frases soltas do que alguém pensou, pedaços de pensamentos, vazio, nada, uma parte de tudo e o que mais você quiser supor ou nomear. Não importa. Não importa o que foi, o que vai ser e muito menos os nomes e as classificações. Agora só importam as mãos que escrevem essas linhas e se entregam ao instante vazio de todo o resto. Elas se permitem no agora, a cada suspiro de arte, a cada som e milésimo de sentido, a cada vazio e preenchimento, a cada tudo comungado de outros olhares, ou nenhum.
Mas essas mãos se rendem também a pensamentos inacabados, que se fundem e a fazem escapar de si, do instante, do silêncio, do som e do movimento. Elas são teimosas e ansiosas, e vez ou outra deixam versos inacabados. Se atiram em infinitos rabiscos sem corpo, cheios de voz. Quando isso acontece, elas deixam seus sons descansando e se perdem nos barulhos de gente que inundam o mundo de frases que deixaram de ser. Essas mãos sabem mais do que escrevem. Alguns pensamentos ainda estão por se firmar.
Elas gostam mesmo é de brilhos nos olhos, abraço grandão que espelha corações, cheiro de dia alegre, arte, chão, sorrisos que saem por aí trazendo mais brilhos nos olhos, flor, sol, cafuné, dedicação, aprendizado, vento, gente, respiração, palco, barulho de água, desenho de nuvem, cheiro de terra, conversa de passarinho, chuva, conversa de corações, pés descalços, gargalhadas.
Tem hora que essas mãos se esquecem que gostam de tudo isso, aí as palavras vem aqui e logo dão um jeito de lembrá-las; e cada vez que isso acontece, um pedaço de papel ganha sentimentos bons e sai por aí pra tocar outras mãos. Se você está lendo isso, é porque acabou de ser tocado por elas. Faça bom proveito e deixe o vento levar mais longe, feito conversa de passarinho.
Com brilho nos olhos, Natália Possas
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