Era uma vez, uma linda mulher
chamada Julita. Ela era boa moça, sempre disposta a se sacrificar, respeitava
fielmente um padrão de beleza, e um código de boa conduta. Só fazia coisas
certas e respeitadas por todos, como deixar de aproveitar os sorrisos, deixar de perceber
tudo que acontecia a sua volta, os momentos felizes dos quais ela participava,
o carinho e amor de todos os presentes, e registrar um caminhão de fotos pra
postar em tudo quanto é rede social e então, sentir o amor que todos tinham por
ela. Esse amor é bem fácil de calcular: basta saber quantas curtidas e
comentários suas fotos tiveram.
Para garantir sucesso, Julita
deixava de usar algo confortável em todas as ocasiões que não estivesse sozinha.
Apertava o orçamento, parcelava tudo a perder de vista, mas estava sempre
impecável. Tudo do bom e do melhor com etiquetas bem caras. Não, espere, as
etiquetas não são caras, e sim as roupas, sapatos e acessórios que vem grudados
nelas. Julita às vezes me confunde.
Ela trabalhava muito, afinal
manter tudo isso custava caro. E ainda tinha a academia e todos aqueles
produtos que receitavam lá pra se manter sempre gostosa. Aqui vale uma
explicação: gostosa é toda pessoa que possui massa muscular em excesso para a
sua altura e tipo físico. Algumas regiões atestam uma gostosura mais eficiente
como cu, a não desculpe, essa palavra é feia e nem define a área exata que eu
quero citar. Boas moças só podem falar palavrão quando o timão está perdendo.
Voltando ao assunto: bunda, abdômen, coxa, (mesmo que o restante da perna fique
totalmente desproporcional e sobrecarregue os joelhos).
Quando chegava em casa à noite e
tirava os lindos sapatos, sempre de salto, os pés estavam repletos de
esparadrapos. Mas ela precisava daquele salto que não apenas espremia e
machucava os pés, mas, que por estar extremamente desconfortável, fazia com que
ela não distribuísse bem o próprio peso, trazendo assim inúmeros problemas para
as pernas, joelho, coluna e por aí vai. Isso sem contar nos malefícios de um
salto, mesmo que confortável (se é que isso é possível).
Ela precisava maltratar seu
corpo, se causar dor e mutilar seus pés. Ela precisava passar o dia cansada,
com mau humor e sofrendo. Ela precisava que no futuro outras dores chegassem. Precisava
sacrificar outros setores da sua vida pela falta de grana. Uma vez ela viu um
livro, que até achou interessante, mas ele custava R$20,00. Não podia gastar
essa fortuna com aquele amontoado de papéis que ela nem teria tempo pra ler.
Seria um desperdício, com esse valor, ela podia comprar duas cervejas e ainda
sobrava troco.
Julita precisava seguir uma regra
imutável de um pódio importantíssimo. Do contrário, ela jamais seria aceita,
amada, querida, desejada, invejada e feliz. Se deixar flagrar sem todos os
itens de um visual impecável, que deve inclusive estar de acordo com a idade,
era um ato impensado. Indubitavelmente para Julita e todos que a cercavam, esse
glamour é mais importante até que comer, porque até a alimentação deve estar a
serviço da beleza. Ela seguia um monte de dietas inventadas por quem não tem a
menor noção do que estava fazendo, como tomar só suco, ou shakes e coisas bem artificiais, malhar pegando mais peso do
que o ideal para o seu corpo, e se entupir de bombas que fazem brotar
massa muscular de uma forma bem antinatural. Vez ou outra, tipo, de quinze em
quinze dias, ela ficava doente por conta disso, mas isso é coisa que acontece.
Pessoas importantes sempre passam por contratempos. Mas valia a pena, ela se
enquadrava no modelo de sucesso e beleza mantido em comum acordo por todos. E
ninguém precisava saber dos momentos mais tristes, as fotos nas redes sociais
esbanjavam alegria, festa, amigos!
Ela estava sempre cansada,
ansiosa, com uma sensação de vazio tão grande, que ela nunca sabia de onde vem.
Mas nem se importava, porque sabia que isso era apenas conseqüência dos seus
dias atarefados. Achava até bom, porque quem não se sente assim, não tem uma
rotina como a dela. São criaturas que nem devem ser citadas, menos importantes.
Afinal, depois de se maltratar tanto, Julita não podia aceitar que outras
pessoas não se comportassem da mesma forma que ela. Então passou a exigir de
todos exatamente a mesma postura. Ora, alguém que não está disposto a se
esforçar tanto, não pode ser um bom profissional, bom marido, boa esposa, na
verdade não merece nem ser respeitado, é um ninguém mesmo, que não presta pra
nada.
Natália Possas
2 comentários:
Pobre Julita!
Ainda bem que esse texto é só ficção, ufah!
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